LUTO - Como a Neurociência o Explica e Como Lidar com a Perda
Apr 23, 2025
O que é o Luto?
O luto diz respeito `a um conjunto de reações em resposta `a uma perda significante. Pode ser a morte de uma pessoa querida, de um animal de estimação ou perda de algo devastador para a vida da pessoa, como por exemplo um trabalho, um casamento, a saúde, uma oportunidade, a moradia, amigos, dinheiro.
A perda gera um sentimento de profundo vazio e sensação de que perdeu-se o "chão". O luto, por ser um processo, pode englobar muitas emoções além da tristeza, e pode incluir: negação, raiva, desespero, revolta, até chegar `a uma certa paz interior e aceitação da realidade, mesmo que a perda em si não seja aceita e haja saudade.
O luto é complexo e pode levar um tempo prolongado para ser processado no coração e na mente. Porém o mais importante é viver esse luto pelo tempo que precisar, mas não sucumbir ao desespero e desesperança, pelo risco de haver uma perda de saúde física e mental. Daí ser tão importante buscar a ajuda necessária em vários momentos desse processo.
As perdas ativam respostas cerebrais e fisiológicas que buscam regular os sentimentos e proteger o organismo. O corpo interpreta o luto como uma ameaça à segurança física e emocional, acionando mecanismos de defesa. Isso ocorre porque a principal função do organismo é nos proteger de qualquer desconforto ou perigo, real ou imaginário. Por isso, o luto pode gerar reações intensas e prolongadas.
Com o tempo, é fundamental cultivar práticas como o autocuidado, espiritualidade, buscar apoio social e emocional, para regular as respostas emocionais e preservar a saúde.
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A neurociência ajuda a compreender e lidar com o luto como um um processo que demanda tempo, paciência, discernimento, compaixão a si próprio e cura.
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O cérebro em estado de luto: ativação e adaptação
Uma perda significativa desencadeia respostas intensas em diversas áreas cerebrais. Esse impacto não é apenas simbólico ou emocional — ele é orgânico. O cérebro interpreta o rompimento do vínculo afetivo como uma ameaça à sua propria integridade e, em resposta, entra em um processo de resposta imediata e adaptação com o passar do tempo. O luto é, portanto, um estado neuropsicológico complexo que combina uma mistura de emoções incluindo um vazio existencial e a perda temporária do senso de segurança como ser humano, ativação de memórias e necessidade de regulação emocional.
Portanto, nao tente 'reprimir' o luto, seja qual for a perda, pois esse é um processo humano normal em resposta `as perdas. Em caso de risco `a integridade da pessoa, obviamente que intervenções de profissionais daárea de saúde e medicação podem ser aplicadas mas o luto precisa ser vivenciado da forma mais autêntica e saudável possível para que a pessoa consiga lidar com a perda e continuar vivendo bem.
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O sistema límbico e a resposta emocional à perda
Entre as áreas mais envolvidas no luto está o sistema límbico, especialmente a amígdala — estrutura responsável por processar emoções como medo, tristeza e raiva. Durante o luto, a amígdala entra em estado de hiperativação, contribuindo para sentimentos como ansiedade, insegurança e hipervigilância. Essa resposta emocional intensa tem uma função adaptativa: ela sinaliza ao organismo que há algo importante faltando, promovendo a introspecção e o recolhimento necessários ao processo de cura.
Daí entendermos que tristeza, interiorização, ‘ficar quietinha’, são mecanismos normais em resposta ao luto. O problema é quando os sentimentos do luto se exacerbam, prolongam-se, a pessoa entra em depressão profunda e não consegue 'retomar' sua vida e suas funções habituais depois de muito tempo, sentindo-se paralisada e incapaz de prosseguir de forma saudçõesvel em seu dia a dia.
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A dor da ausência e o sistema de recompensa
Outro aspecto relevante é o impacto sobre o sistema de recompensa, particularmente o núcleo accumbens. Essa região, relacionada à experiência de prazer e à sensação de recompensa social e afetiva, sente de forma aguda a ausência do estímulo positivo que antes vinha da pessoa ou do animal ou da circunstância perdida.
Como resultado, muitas pessoas enlutadas vivenciam a chamada anedonia — a incapacidade de sentir prazer — e sintomas de apatia. O luto, nesse contexto, se manifesta também como uma redução na dopamina e na motivação para atividades que antes geravam bem-estar. Esse estado é de certa forma normal e esperado no luto, porém se houver um prolongamento dessa situação por muito tempo, a pessoa precisa de ajuda profissional para voltar `a sua vida normal.
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O hipocampo e as memórias que retornam com intensidade
Durante o luto, o hipocampo — região cerebral envolvida na formação e evocação de memórias — é especialmente sensível. É por isso que, após a perda, lembranças surgem com grande intensidade e frequência. Essa revivência de momentos, sons e imagens associadas à pessoa falecida ou memórias positivas da circunstância perdida, faz parte do processo cerebral de tentar integrar `a nova realidade. A memória afetiva é uma das formas que o cérebro utiliza para manter o vínculo, mesmo diante da ausência física.
Durante o luto, como o hipocampo não mais consegue integrar memórias novas e antigas, essa função é interrompida, levando a uma “repetição” constante de memórias relacionadas à perda, que podem perpetuar a dor emocional. Se nao houver um processamento saudavel do luto, a pessoa pode prender-se ao passado e recusar viver a vida presente e fazer planos para o futuro. Nesse caso, o apoio social é muito importante para ajudar a pessoa a fazer a transição para a nova realidade em sua vida e refazer planos.
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Córtex pré-frontal e os desafios da função executiva
Com tantas regiões emocionais ativadas, é comum que o funcionamento do córtex pré-frontal — área ligada ao raciocínio lógico, tomada de decisões e planejamento — seja temporariamente comprometido. Muitas pessoas relatam dificuldade de concentração, esquecimentos e sensação de desorientação durante o luto. Esse comprometimento não é sinal de fraqueza ou descontrole, mas um reflexo direto das alterações neuroquímicas e estruturais em curso. O cérebro, sob estresse emocional intenso, prioriza a sobrevivência emocional em detrimento da performance cognitiva.
Portanto, nessa fase inicial do luto, pela dificuldade cognitiva e de discernimento que a pessoa mentalmente está sentindo, é importante que a pessoa tenha um apoio de pessoas de confiança para tomada de decisões práticas no pós-morte de alguém próximo ou na perda de circunstâncias que afetam sua vida e de sua família.
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Estratégias de cuidado: como lidar com o luto
Embora o luto siga seu próprio tempo, algumas práticas podem favorecer uma reorganização cerebral mais saudável. Algumas sugestoões de como lidar com o luto:
a) Expressar sentimentos — seja por meio da fala, da escrita ou da arte — contribui para a ativação do córtex pré-frontal e modulação do sistema límbico.
b) Buscar práticas que ajudem a regular suas emoções: praticar a atenção plena e presente (mindfulness), que podem ser caminhadas `a ermo na natureza ou em forma de meditação, meditar sentada com uma música leve ao fundo, repetição mental de mantras ou afirmações positivas.
c) Praticar respiração consciente e atividades físicas regulares auxiliam na regulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, reduzindo o impacto do estresse.
d) Descanse o quanto puder de forma confortável e com o mínimo de stress possível em seu ambiente. Um sono restaurador melhora a saúde como um todo. Durante as fases profundas do sono, o cérebro realiza processos de “limpeza” de toxinas, consolidação de aprendizado e reparo celular, promovendo clareza mental, energia e bem-estar no dia seguinte. E tudo isso vai ajudar muito no restabelecimento mental e emocional ao longo do processo do luto.
e) Identificar uma rede de apoio social é fundamental pois não apenas ajuda com (suas) tarefas práticas especialmente no início do luto mas também ajuda a restaurar o seu bem-estar emocional e a trazer um senso de familiaridade e conforto, tão necessários nesse momento de perda significante.
Buscar um profissional da área de saúde, como psiquiatras, psicólogos, coaches e/ou orientação espiritual, medicina natural (ex: acupuntura) também podem ser de grande valia, principalmente a longo prazo.
Em alguns lugares, existem locais de apoio em igrejas, hospitais, centros sociais ou em organizações não governamentais que ajudam grupos a lidar com o luto. E pode-se encontrar até programas de 12 passos que lidam com luto. Veja se existem alguns desses tipos de grupo especializados em luto, em sua cidade.
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Concluindo - Neurociência, Compaixão e Vida
Superar o luto não deve ser o objetivo por tratar-se de um processo natural que precisa ser vivenciado de uma forma saudável para que a pessoa regule emoções e redirecione sua vida em uma nova realidade que inclui lidar com sua perda significante.
O que a neurociência mostra é que nosso cérebro é plástico, ou seja, capaz de adaptar-se, mesmo diante de grandes perdas. Ao oferecer tempo, compreensão e ferramentas adequadas, criamos espaço para uma nova forma de vínculo com a vida e com a memória de quem partiu. O luto, nesse sentido, é menos sobre esquecer, e mais sobre transformar. E essa transformação, por mais dolorosa que seja, é também um caminho de crescimento.
O mais importante é que você processe seu luto em seu tempo, sem pressa de 'parecer bem' para os outros, esteja bem para si! Ao estar bem consigo, vai estar bem para aqueles ao seu redor, que precisam de você e que torcem por sua felicidade. Busque ajuda quando precisar.
E no momento certo, para você, reinicie seus afazeres, seus planos pois a vida merece ser vivida em plenitude!
Um grande abraço,
Siglia